A insurgência e casos de coronavírus poderão ter impacto significativo nas perspectivas de produção de gás na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, alertam especialistas.
Aquela província tem sido alvo de ataques terroristas desde 2017, dos quais morreram, pelo menos, 900 pessoas. E dos 80 casos positivos do novo coronavírus que o país tem, 58 estão precisamente em áreas de Cabo Delgado que acolhem projetos de exploração de gás natural.
A empresa americana de petróleo e gás dos ExxonMobil, entre as maiores com presença no país, decidiu, em abril, adiar a sua decisão final sobre um grande investimento de longo prazo na agitada Cabo Delgado.
“A decisão final de investimento do projeto de gás natural liquefeito de Rovuma (GNL) em Moçambique, prevista para o final deste ano, foi adiada”, disse a gigante de petróleo e gás em comunicado.
“A ExxonMobil continua a trabalhar ativamente com os seus parceiros e o governo para otimizar os planos de desenvolvimento, melhorando sinergias e explorando oportunidades relacionadas ao atual ambiente de baixo custo”, acrescentou.
A empresa também anunciou os seus investimentos de capital para 2020 em cerca de 23 bilhões, abaixo dos anteriores 33.
Embora a ExxonMobil tenha reconhecido o impacto do coronavírus na economia global, não indicou se a sua decisão sobre os projetos de Moçambique estava diretamente ligada à pandemia. No entanto, especialistas, acreditam que a COVID-19, doença provocada pelo novo coronavírus, afetou os preços globais de energia, dificultando o aumento de financiamento das empresas a curto prazo.
Empresas estrangeiras como a americana Exxon; Total, da França; e ENI, da Itália também estão preocupadas com a deterioração da segurança na província de Cabo Delgado, e vêm incentivando o governo de Moçambique a melhorar a sua resposta.
“Moçambique está agora em estado de emergência por causa do COVID-19 e isso desviará recursos e atenção de Cabo Delgado”, disse Alex Vines, diretor do programa de África na Chatham House, em Londres.
A crescente insurgência islâmica em Cabo Delgado, além das mortes reportadas, provocou o deslocamento interno de mais de 160 mil pessoas.
“Os ataques insurgentes devem ser de grande preocupação para o governo de Moçambique”, disse Jasmine Opperman, analista de África no grupo de monitoria de conflitos ACLED. “Após o ataque de Mocimboa de Praia, a Total retirou todas as embarcações offshore.”
“Os insurgentes demonstraram capacidade de passar de atos de terror contra civis para atingir infraestruturas do governo”, disse Opperman à VOA.
Nos ataques recentes, “os insurgentes também mostraram capacidade de manter território por curtos períodos com a intenção de criar” áreas liberadas “, o que permite liberdade de movimento e acesso a suprimentos de comida”, acrescentou Opperman.
David Matsinhe, pesquisador da Anistia Internacional na África Austral, disse que “parece que os insurgentes estão a ter um reinado livre nesses distritos, percorrendo e atacando como bem entendem, e divulgando vídeos nas redes sociais para atrair novos recrutas para as suas fileiras.”
O aumento dos ataques reivindicados por militantes nos últimos meses levou empresas de gás, como a ExxonMobil e a Total, a solicitar segurança adicional em áreas de operação. Existem aproximadamente 500 soldados destacados perto das áreas de produção de gás.
Opperman diz que a “COVID-19 apresenta desafios adicionais” para o governo moçambicano, nomeadamente no tocante à disponibilidade de recursos humanos para a implementação de projetos. Ela recorda que a Exxon, que comprometeu-se a 500 milhões em investimento inicial, “sofreu interrupções nos primeiros trabalhos devido a restrições de viagens”.
Por outro lado, os grupos de direitos humanos expressam preocupações sobre a capacidade das forças de segurança moçambicanas de proteger os investimentos e manter o estado de direito.
“É difícil não ver isso a piorar, a menos que o vírus também dizime os grupos armados”, disse Adotei Akwei, vice-diretor de Advocacia e Relações Governamentais da Amnistia Internacional.
“A vantagem de Moçambique é que seus ativos de gás são de classe mundial, e espero que esse déficit de financiamento seja um problema de curto prazo, a menos que a situação de insegurança se deteriore significativamente”, diz Vines, da Chatham House.
Mas Calton Cadeado, que docente de relações internacionais na Universidade Joaquim Chissano, em Maputo, diz que a interrupção do investimento estrangeiro frustrará particularmente os jovens de Cabo Delgado, que esperam que esses projetos criem oportunidades de emprego na sua região.
“O governo acredita que esse problema pode ser de curta duração” e que 2022 continuará sendo o ano do esperado encaixe financeiro, disse Cadeado à Voz da America Português. “Mas, realisticamente, essa pandemia (de coronavírus) e o adiamento de investimento estrangeiro podem fazer gorar essa expectativa”.